A naturalidade da adoção
Publicado em 11.06.2012, às 08h05
Por Guilherme Lima Moura
É natural que os casais,a certa altura da vida comum, busquem na gravidez a realização do tornarem-sepais. Com “natural”, quero dizer o comum, o frequente, osocialmente esperado. Tudo à nossa volta conspira para que seja assim. Afinal,todas as nossas convenções culturais nos definem como pais que se constituemenquanto tais pela procriação. Crescemos e vivemos sob a crença tacitamentepartilhada de que a gravidez é o processo pelo qual alguém se torna pai ou mãe.
A naturalidade da filiação é assim (socialmente) definida em termos biológicos.
Entretanto, como é sabido, algumas pessoas possuem configurações biológicas queterminam por tornar a gestação uma impossibilidade. A fecundação não chega aocorrer ou, ainda mais doloroso, a vida intrauterina é abruptamenteinterrompida. Para muitos, é nesse contexto que surge a opção de se buscar naadoção a realização da filiação tão almejada. E é aí que alguns se deparam comum tipo de mal estar. Paira sobre eles a sensação de que recorrem a uma espéciede “plano b”. Angustiam-se na culpa por buscarem na adoção umaalternativa de “segunda classe”, só cogitada a partir da falênciados planos iniciais em torno da gestação.
Falo aqui especialmente a estes que vivem essa condição de “limbopaterno/materno”: sofrem o luto por uma expectativa de filho que nãochegou a se realizar e, ao mesmo tempo, consideram que este filho talvez possajá existir e estar a um passo de, através da adoção, chegar-lhes aos braçoscheios de amor.
Nesse contexto de emoçõesambíguas, que oscilam entre a dor e a esperança, o tempo e o diálogo franco sãoos grandes companheiros. Etapas não devem ser queimadas. O luto cumpre oimportantíssimo papel de não transformar esperança em precipitada fuga darealidade. Isso porque é fundamental entendermos que o filho adotivo não devesurgir em substituição ao filho biológico. Todo aquele que (em qualquercontexto) é desejado para ocupar um lugar que é de outro, corre o risco denunca ter seu próprio lugar, de nunca poder ser quem é, de nunca atender àsexpectativas que lhes são cruelmente impostas. Então, esse “outro”precisa morrer também na nossa emoção, para que aquele que agora passamos adesejar tenha direito ao seu próprio lugar afetivo nas nossas vidas.
Em que consistirá, então, realmente a naturalidade dafiliação?
A esta altura os leitores desta coluna já estão cientes de que osignificado da adoção, que aqui anunciamos, é maior do que tão somente a especificidadede determinado tipo legal de constituição familiar. Como temos dito, a adoção éa via de construção da filiação. É um processo relacional e afetivo que ocorrehistoricamente através do cotidiano. Como processo relacional, ele é uma via demão dupla, ou seja, pais adotam filhos e filhos adotam pais. É preciso que talcircularidade ocorra para que a relação afetiva se estabeleça. E isso acontecena convivência de modo especial e único para cada família.
Entretanto, essa construção afetiva inicia-se antes mesmo de dar-se o primeiroencontro. Antes ainda de pais e filhos se conhecerem. Ela nasce na expectativa,no crescente desejo que alimenta previamente a predisposição amorosa dosfuturos pais. Surge mesmo da necessidade que estes elaboram de terem, junto asi, aqueles a quem devotarão o melhor dos seus amores e cuidados. Surge danecessidade de termos filhos.
É importante entendermos que nem sempre a preferência prévia pela filiaçãoadotiva implica em um olhar natural para a adoção como experiência de filiação.Às vezes, ela surge de um mal entendido, no qual este “sempre quisadotar” é fruto de uma intenção aparentemente caridosa de “salvarcrianças”. Eis um grande equívoco! Se quisermos contribuir com o bemestar de menores em situação de risco, podemos nos engajar em inúmeras açõesvalorosas que existem à nossa volta. É uma bela iniciativa. Mas a paternidade ea maternidade não devem constituir-se numa experiência baseada em troca, dotipo “hoje eu salvo você, amanhã você me salva”. O amor de pai emãe é um amor que nutre tão somente a expectativa de que os filhos sejamfelizes.
Portanto, a construção da filiação adotiva como uma alternativa à gestação nãofaz da adoção uma escolha menor. Na realidade, respeitado o tempo do luto, taldecisão revela o entendimento maduro de que a naturalidade da filiação ocorreno afeto, ou seja, na adoção! Quem se torna pai ou mãe pela adoção desejasimplesmente ser pai ou mãe, e entende que a adoção é um meio legítimo derealizar este seu desejo.
Meus filhos são meus filhos façam o que façam, sejam o que sejam. E assim o sãosomente porque eles e eu assim o desejamos e assim o fizemos ser. Issoé adoção. Natural assim!
Por Guilherme Lima Moura
É natural que os casais,a certa altura da vida comum, busquem na gravidez a realização do tornarem-sepais. Com “natural”, quero dizer o comum, o frequente, osocialmente esperado. Tudo à nossa volta conspira para que seja assim. Afinal,todas as nossas convenções culturais nos definem como pais que se constituemenquanto tais pela procriação. Crescemos e vivemos sob a crença tacitamentepartilhada de que a gravidez é o processo pelo qual alguém se torna pai ou mãe.
A naturalidade da filiação é assim (socialmente) definida em termos biológicos.
Entretanto, como é sabido, algumas pessoas possuem configurações biológicas queterminam por tornar a gestação uma impossibilidade. A fecundação não chega aocorrer ou, ainda mais doloroso, a vida intrauterina é abruptamenteinterrompida. Para muitos, é nesse contexto que surge a opção de se buscar naadoção a realização da filiação tão almejada. E é aí que alguns se deparam comum tipo de mal estar. Paira sobre eles a sensação de que recorrem a uma espéciede “plano b”. Angustiam-se na culpa por buscarem na adoção umaalternativa de “segunda classe”, só cogitada a partir da falênciados planos iniciais em torno da gestação.
Falo aqui especialmente a estes que vivem essa condição de “limbopaterno/materno”: sofrem o luto por uma expectativa de filho que nãochegou a se realizar e, ao mesmo tempo, consideram que este filho talvez possajá existir e estar a um passo de, através da adoção, chegar-lhes aos braçoscheios de amor.
Nesse contexto de emoçõesambíguas, que oscilam entre a dor e a esperança, o tempo e o diálogo franco sãoos grandes companheiros. Etapas não devem ser queimadas. O luto cumpre oimportantíssimo papel de não transformar esperança em precipitada fuga darealidade. Isso porque é fundamental entendermos que o filho adotivo não devesurgir em substituição ao filho biológico. Todo aquele que (em qualquercontexto) é desejado para ocupar um lugar que é de outro, corre o risco denunca ter seu próprio lugar, de nunca poder ser quem é, de nunca atender àsexpectativas que lhes são cruelmente impostas. Então, esse “outro”precisa morrer também na nossa emoção, para que aquele que agora passamos adesejar tenha direito ao seu próprio lugar afetivo nas nossas vidas.
Em que consistirá, então, realmente a naturalidade dafiliação?
A esta altura os leitores desta coluna já estão cientes de que osignificado da adoção, que aqui anunciamos, é maior do que tão somente a especificidadede determinado tipo legal de constituição familiar. Como temos dito, a adoção éa via de construção da filiação. É um processo relacional e afetivo que ocorrehistoricamente através do cotidiano. Como processo relacional, ele é uma via demão dupla, ou seja, pais adotam filhos e filhos adotam pais. É preciso que talcircularidade ocorra para que a relação afetiva se estabeleça. E isso acontecena convivência de modo especial e único para cada família.
Entretanto, essa construção afetiva inicia-se antes mesmo de dar-se o primeiroencontro. Antes ainda de pais e filhos se conhecerem. Ela nasce na expectativa,no crescente desejo que alimenta previamente a predisposição amorosa dosfuturos pais. Surge mesmo da necessidade que estes elaboram de terem, junto asi, aqueles a quem devotarão o melhor dos seus amores e cuidados. Surge danecessidade de termos filhos.
É importante entendermos que nem sempre a preferência prévia pela filiaçãoadotiva implica em um olhar natural para a adoção como experiência de filiação.Às vezes, ela surge de um mal entendido, no qual este “sempre quisadotar” é fruto de uma intenção aparentemente caridosa de “salvarcrianças”. Eis um grande equívoco! Se quisermos contribuir com o bemestar de menores em situação de risco, podemos nos engajar em inúmeras açõesvalorosas que existem à nossa volta. É uma bela iniciativa. Mas a paternidade ea maternidade não devem constituir-se numa experiência baseada em troca, dotipo “hoje eu salvo você, amanhã você me salva”. O amor de pai emãe é um amor que nutre tão somente a expectativa de que os filhos sejamfelizes.
Portanto, a construção da filiação adotiva como uma alternativa à gestação nãofaz da adoção uma escolha menor. Na realidade, respeitado o tempo do luto, taldecisão revela o entendimento maduro de que a naturalidade da filiação ocorreno afeto, ou seja, na adoção! Quem se torna pai ou mãe pela adoção desejasimplesmente ser pai ou mãe, e entende que a adoção é um meio legítimo derealizar este seu desejo.
Meus filhos são meus filhos façam o que façam, sejam o que sejam. E assim o sãosomente porque eles e eu assim o desejamos e assim o fizemos ser. Issoé adoção. Natural assim!
